Milton Severo¹,²,³
¹EPIUnit-Institute of Public Health, University of Porto
²Laboratory for Integrative and Translational Research in Population Health (ITR).
³Abel Salazar Institute of Biomedical Sciences, University of Porto
O impacto da saúde digital na saúde pública: dados e tendências em Portugal
A pandemia de COVID-19 destacou a importância das tecnologias de saúde digital e dos sistemas de vigilância eficazes. Há um potencial significativo ainda não explorado em aproveitar essas tecnologias para melhorar a saúde pública. No entanto, existem desafios a serem superados, como a necessidade de preparar os cidadãos para a saúde pública digital (DPH) e adotar estratégias de DPH nas políticas de saúde (1). Além disso, entre os obstáculos atuais, destacam-se a desigualdade no acesso às tecnologias digitais e a fraca interoperabilidade entre sistemas.
Um inquérito com uma amostra representativa de 1544 residentes em Portugal revelou que 72,9% apresentam prevalência de literacia em saúde limitada (2). Este indicador associou-se principalmente a níveis de escolaridade mais baixos e a pessoas mais idosas (3). Assim, promover a literacia digital torna-se essencial para reduzir desigualdades e ampliar o impacto das soluções digitais.
Exemplos práticos e o caso português
A nível internacional, já existem boas práticas de intervenções de DPH. Por exemplo, temos o HealthBuddy+ que fornece informações fiáveis sobre a COVID-19 através de um chatbot, e o AccuRx, um software de consulta por vídeo no Reino Unido (1).
No caso português, ferramentas como a Stayaway Covid, uma aplicação desenvolvida para rastrear a propagação do vírus, geraram controvérsias significativas, principalmente em relação à privacidade dos dados e à intenção do governo de torná-la obrigatória (4). Por outro lado, intervenções de base voluntária, como os Diários de uma Pandemia, que tinham como objetivo recolher informações diárias sobre diferentes aspetos da vida da população portuguesa, utilizando um questionário online semanal, apresentaram uma adesão inicial elevada, mas também uma perda de participantes ao longo do tempo (5).
Estes exemplos revelam que a prontidão do sistema e dos cidadãos é essencial para o sucesso de qualquer ferramenta digital. Além da tecnologia, a transformação digital exige mudanças culturais, organizacionais e educativas.
Perspetivas futuras para políticas públicas
Em suma, a saúde pública digital pode desempenhar um papel decisivo na prevenção de crises futuras. Ferramentas, como por exemplo a vigilância epidemiológica digital, são essenciais para ajudar a detetar surtos e gerir recursos com maior eficiência. Além disso, integrar dados não relacionados diretamente com a saúde — como mobilidade ou hábitos digitais — pode gerar insights valiosos para a tomada de decisão.
No entanto, é preciso garantir que estas tecnologias são acessíveis, éticas e sustentáveis. Só assim será possível construir políticas de saúde pública verdadeiramente digitais, participativas e inclusivas.